Em Buenos Aires

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

La inseguridad


Há algum tempo, eu queria tirar fotos dos murais da Evita no Ministério do Desenvolvimento Social, mas quase nunca vou pros lado de lá. Hoje, aproveitei que estava por perto e sentei num café bem próximo ao prédio, na Avenida 9 de julho. Assim que tirei a câmera da bolsa, o garçom me alertou: moça, esconda sua câmera, senão passam uns "chicos" e levam. Só consegui fazer uma única foto (que nem ficou boa, mas postei assim mesmo), tomei meu café rapidamente e fui embora.

Vim pra casa pensando em escrever sobre a sensação de insegurança que percebo em Buenos Aires. No começo, nem me ligava nisso. A cidade é tão linda que ofuscava qualquer perigo. Mas com o tempo, acabei entrando um pouco na onda.

As pessoas falam muito na insegurança, a televisão mostra assaltos o dia todo e a violência é sempre apontada pelos manifestantes como um dos motivos para os "cacelolazos" contra o governo. No site do Consulado do Brasil, tem um alerta para os turistas brasileiros sobre o grande número de furtos. Tudo isso, infelizmente, me lembra muito a minha Fortaleza, onde as pessoas vivem em pânico. A diferença é que aqui ainda não encontrei segurança armado na porta dos comércios, o que é tão comum por lá.

Segundo a última pesquisa do Latinobarômetro, o principal problema do país para o argentinos é a violência, com 35% das citações espontâneas. Para os brasileiros, o principal problema é a saúde com 18%. Mas a percepção pode não ser um retrato fiel da realidade.

A capital portenha tem uma taxa de homicídio de 5,81 por cada 100 mil habitantes, segundo relatório da Justiça Argentina de 2010. A capital brasileira com melhor índice é São Paulo e tem mais que o dobro, 13,7. Fortaleza está em 12⁰ lugar, com 45,9 homicídios por cem mil habitantes e a capital mais violenta, Maceió, com 109,9. Os dados brasileiros são do mapa da violência divulgados neste ano com base em 2010.  

O número de homicídios costuma ser o indicador mais concreto para medir a violência, porque em casos de furto, por exemplo, ou de violência doméstica e sexual, costuma haver muito sub-notificação. Mas não explicam a sensação de insegurança, já que o medo é subjetivo e muito ligado àquilo que nos afeta. Se as pessoas sentem insegurança, deve sim haver uma razão para isto.

Quando comecei a escrever este texto, uma amiga comentou no facebook que sofreu uma tentativa de assalto hoje em San Telmo. Não quero alarmar ninguém, afinal, os números mostram que Buenos Aires é mais segura que qualquer capital brasileira. Mas não custa nada ficar atento e seguir o aviso do Consulado.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Brincando de gente grande



Outro dia, ia caminhando pela rua com o Tomás e, de repente, ele aponta e diz: mamãe, banco, dinheiro. Perplexa, pergunto: e o que a gente faz com o dinheiro? Ele responde: compra. Pronto, criei um mini-capitalista.

Mas, antes que entrasse em pânico e decidisse criar o Tomás numa comunidade alternativa, lembrei como esta história começou. No Museu de los Niños.

Capitalismo ou anti-capitalismo a parte, o passeio (que é pago, obviamente) é super divertido. Uma cidade em miniatura, onde as crianças brincam e aprendem brincando.

Na verdade, meu filho estava apenas recordando que brincou de trabalhar num banco. Depois sacou dinheiro de brinquedo e levou para fazer compras no supermercado. Ufa!! Ele ainda não está contaminado pelo consumismo e, juro, quase nunca me pede pra comprar nada, nem mesmo em loja de brinquedos (até porque se pedir, geralmente, escuta um não).

No Museu de los Niños, o Tomás também dirigiu caminhão, pilotou um navio, trabalhou nos correios, brincou de médico, de frentista de posto de gasolina e de jogador de futebol.

A única parte que ele não viu a menor graça foi brincar de ser jornalista. E olha que ele já sabe que o papai e a mamãe são jornalistas. Mas sempre diz o trabalho dele é ir pra escola e o nosso ficar em casa. Por isso, quando crescer ele não quer ser jornalista, quer andar na corda igual ao moço do parque. Mal sabe ele, que na vida adulta a gente se equilibra todos os dias.









sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Flores pra todo lado

Fui recebida na escola do Tomás hoje com um "feliz primavera". Teve festa, lembrancinha, tudo pra comemorar a estação mais colorida do ano. 

Mas, para minha supresa, as celebrações não são só coisa de escola de criança.

Por toda parte, as pessoas se reuniram, com direito a show no planetário e nos parques. A TV passou o dia mostrando as comemorações pela cidade.

Achei lindo ver todo mundo com roupa florida e carregando flores pela rua. A manicure ganhou um buquê do namorado enquanto fazia a minha unha e me matou de inveja.

Acabei entrando no clima também. Coloquei roupa florida e resolvi enfeitar a casa. E vim aqui desejar feliz primavera pra vocês.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Muitos canais e pouca informação na TV argentina

A quantidade de canais de notícia na TV a cabo argentina chama a atenção. São oito canais e no Brasil apenas três. Assuntos como política e economia fazem muito mais sucesso entre os hermanos que entre nosotros.

Aqui, é mais do que comum debater sobre o governo com o taxista ou o porteiro do prédio. Discute-se  política e economia com a facilidade com que se fala de futebol ou de novela. Alguns cientistas políticos e economistas viram celebridades com direito a matéria de capa na revista Caras.

E a realidade se reflete na telinha, como diriam alguns teóricos por aí. Num canal, uma mesa redonda discute o câmbio, no outro a inflação, no outro a reforma da Constituição. Até debate sobre Foucault na TV eu já assisti. E pasmem, tem audiência.

Mas nem  a concorrência nem a audiência eleva a qualidade da televisão argentina (e falo de modo geral, não só dos canais de notícia) . Há bizarrices sem fim, mas eu prefiro me ater a falar do telejornalismo.

Uma matéria publicada hoje no La Nación questiona o mérito, a falta de pluralidade do noticiário. As críticas são relacionadas à cobertura do último panelaço. Milhares de pessoas nas ruas e muito pouco na TV.

Diria que falta agilidade também. E qualidade técnica. Há poucas reportagens. O mais comum é deixarem o link de vivo aberto com transmissões que vão de discurso presidencial, a protestas ou uma movimentação pós tentativa de assalto. Logo que cheguei o caso de uma menina desaparecida comoveu o país e a mãe dela, as tias, as vizinhas choravam o dia inteiro ao vivo na televisão.

Os telejornais geralmente tem bancadas enormes, com apresentadores que falam sobre tudo enquanto tomam café com medialuna. Antes dos intervalos toca até Michel Teló e Gustavo Lima. O pior dos canais de notícia usa música de suspense e letreiros (sempre os mesmos diga-se) para anunciar o início da primavera ou qualquer catástrofe.

Os brasileiros acostumados com a nossa boa e velha televisão tomam um choque. Pelo menos, os que ficam aqui em casa percebem e comentam a diferença. Quem me conhece sabe que sou apaixonada por televisão. Já trabalhei em televisão, estudei sobre televisão, adoro assistir TV e ler sobre o assunto, talvez por isso até prefiro não falar muito. E vou terminar o texto com uma justificativa/defesa (embora seja apenas uma hipótese minha, deve haver outros motivos também).

Recentemente, encontrei num livro um bom motivo que talvez explique o desnível entre a nossa TV e a argentina. Não existe uma tradição de televisão comercial. O serviço foi estatizado pelos militares e cada arma ficou responsável por um canal. Imagina como devia ser a programação da Marinha ou da Aeronáutica?? Só voltou à inciativa privada no início dos anos 1990. Ainda está engatinhando.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A "disneylândia" da Cristina

Tecnópolis é uma mega feira de ciência e tecnologia organizada pelo governo argentino. A primeira edição foi em 2011 para marcar o bicentenário da independência. E neste ano, repetiram a dose. Agora, já se fala até em transferir a Feira do Livro de Buenos Aires para o local. A exposição começou em julho e vai até o próximo mês.

No último fim de semana, fomos finalmente conhecer. O ponto alto (pelo menos pra nós) é a mostra de dinossauros. São bonecos enormes (como nunca vi um dinossauro não sei se estão em tamanho original, mas imagino que sim), com som e movimento. O Tomás que é louco por dinossauros ficou maravilhado e tem certeza que eram de verdade. Ele diz que foi para um zoológico de dinossauros.

Diante do encantamento do meu filho, eu tenho que me render e dar o crédito necessário ao grande parque de entretenimento da Cristina Kirchner. Até mesmo os jornais de oposição se renderam e admitiram que foi a grande atração das férias para crianças. No inverno tinha ainda pista de patinação e no ano passado um pedaço de um glaciar da Patagônia.

O lado feio também existe, claro. Já apareceram denúncias de corrupção e superfaturamento. Além disso, é propaganda explícita do governo. Até chegar no parque de dinossauros, há um longo caminho onde se pode descobrir, por exemplo, gastos com educação, construção de casas populares, investimento em saneamento, etc

Fora isso, é diversão garantida. Até pra quem não é mais tão pequeno assim.






   


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Leitura engajada


Por Marina Mota | Para o Valor, de Buenos Aires

Logo na entrada da livraria El Ateneo - a mais famosa e visitada de Buenos Aires - uma das estantes de produtos à venda revela duas paixões dos argentinos: os livros e a política. O resultado dessa combinação é visível também nos números do mercado editorial: cerca de 25% das publicações argentinas estão relacionadas à política, segundo Jorge Testero, presidente da Comissão do Livro Social e Político da Câmara Argentina do Livro.

Em 2010 foram publicados 26,3 mil títulos, sendo 22,7 mil novas obras, de acordo com dados da entidade. As vendas chegaram a quase 76 milhões de exemplares e os livros classificados como políticos e sociais representaram mais de 20% do montante. No Brasil, mercado quatro vezes e meio maior que o argentino, foram publicados 54,7 mil títulos em 2010, mas os lançamentos na categoria de títulos políticos e sociais não chegaram a 19 mil, de acordo com uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo.

Os números argentinos de 2011 ainda não estão disponíveis, mas Testero adianta que houve crescimento. Curiosamente, os livros políticos não são baratos, custam em média entre US$ 25 e US$ 30. "Do ponto de vista comercial, é uma das áreas editoriais mais dinâmicas, com muitos lançamentos, promoções e uso desses títulos pelas livrarias para atrair clientes", diz.

"No próximo ano, certamente vão ser lançados numerosos livros por causa das eleições parlamentares, repetindo o que aconteceu em 2011, também de eleições", afirma Daniel Molina, crítico literário e coordenador da área de letras do Centro Cultural Ricardo Rojas da Universidade de Buenos Aires. Como no geral são livros feitos de forma muito rápida, Molina questiona a qualidade. "Há investigações sérias, mas também obras ruins, com muitos erros."

Historicamente, o debate político tem sido muito popular no país. "A decisão de compra é uma forma de marcar posição. Os partidos estão enfraquecidos, então a classe média encontra nos livros um substituto psicológico", diz Molina. O fenômeno, para ele, tem a ver também com uma forte tradição de leitura. "Isso só faz sentido porque as pessoas leem muito. Desde a independência o debate se dá dessa forma", acrescenta Molina.

O próprio nascimento da literatura argentina está relacionado com o tema. Em 1838, foi escrito o conto "El Matadero", de Esteban Echeverría, que denunciava a ditadura de Juan Manuel de Rosas. Sete anos depois, Domingos Sarmiento, futuramente presidente da República, publicou o romance "Facundo", em que resgata a história de Facundo Quiroga, um caudilho da província de La Rioja.

Outro marco é a obra "Operación Masacre", de Rodolfo Walsh. Lançado em 1957, o livro narra o fuzilamento de civis pelo governo do general Aramburu, dando os primeiros passos num estilo que acabaria conhecido alguns anos depois como jornalismo literário, quando Truman Capote publicou "A Sangue Frio" nos Estados Unidos. Depois de uma entressafra de duas décadas a partir dos anos 1970 - período marcado por umas das ditaduras mais violentas da América Latina -, a tendência voltou forte no início dos anos 1990.

A nova onda foi inaugurada pelos livros "Robo para la Corona", de Horacio Verbitsky, e "Por Qué Cayó Alfonsín, el Nuevo Terrorismo Económico", de Luis Majul, dois recordistas de vendas. Ambos os autores são jornalistas muito conhecidos no país. No ano passado, Majul lançou outro fenômeno editorial, "Él y Ella" - primeiro no ranking de não ficção de 2011 -, com denúncias de corrupção envolvendo Néstor e Cristina Kirchner, no momento em que a presidente disputava a reeleição.

Quando ainda era uma jornalista em início de carreira, Laura Di Marco se surpreendeu ao ouvir do veterano Majul que comprou um apartamento com as vendas do primeiro livro. Hoje, ela é a autora do livro político de maior êxito em 2012. "La Campora" vendeu 60 mil exemplares em seis meses. A primeira edição de sete mil exemplares se esgotou em dois dias.

A obra conta a história de uma corrente de apoio ao governo gestada por Néstor Kirchner. "La Campora", cujo nome faz menção ao presidente argentino que ocupou o cargo em 1973 para em seguida repassá-lo a Juan Domingo Perón, é formada por jovens que atualmente ocupam cerca de 2 mil postos na máquina estatal. "Esse é um livro com a foto em movimento, escrevi à medida que os atos iam acontecendo, tive que fazer muito rápido", conta. A pesquisa e redação do livro durou um ano.

"Comecei a escrever com uma visão curiosa, depois fui me tornando mais crítica", afirma Laura. A jornalista se deparou com um desafio permanente da atividade na Argentina: é extremamente difícil checar uma informação. Assim como a maior parte dos integrantes do governo, os membros da tendência também não falam com jornalistas que não sejam kirchneristas. Laura adianta que já começou a desenvolver um novo projeto sobre aspectos desconhecidos da história de Cristina.

Embora os livros críticos tenham público maior, há espaço farto para o governismo. A biografia autorizada de Cristina Kirchner, "La Presidenta", de Sandra Russo, também liderou as listas de mais vendidos no ano passado. Neste ano, um dos destaques kirchneristas é obra de encomenda, "Eva y Cristina", de Araceli Bellotta, comparando a vida da atual mandatária com a de Evita Perón.

Araceli conta que o livro demorou nove meses para ficar pronto. A pesquisa sobre Evita ela já tinha de outros livros que escreveu e o trabalho foi centrado principalmente na parte sobre Cristina, também com várias citações de outras publicações. "Eu sou peronista e feminista", faz questão de deixar claro. "Acho importante se identificar, porque muitos dizem que são independentes e não são."

Uma frase do político argentino Antonio Cafiero muito famosa entre os "hermanos" afirma "que o peronismo dá para tudo". Não podia ser diferente na produção literária. Tanto que desta quinta ao sábado o Museu Evita em Buenos Aires está sediando a quarta edição da Feira do Livro de Temática Peronista, com debates, lançamentos e presença de 37 editoras, tanto de grandes grupos como de universidades e algumas especializadas em peronismo. As doações das editoras que participam da feira à Biblioteca do Museu dão uma medida da quantidade de publicações. Só no ano passado, foram cerca de 300 títulos. Segundo Laura Macek, uma das organizadoras, nem todos os autores são peronistas. "Há intelectuais contrários também. Demorou muito para que eles quisessem participar, mas entenderam que é um espaço de discussão", comenta.

Na última Feira do Livro de Buenos Aires, em abril, a política ocupou lugar de destaque, com presença de autoridades no debates, jornalistas e diversos lançamentos. Na capital, há um Museu da Língua e do Livro com uma seção dedicada às obras políticas. É comum encontrar na Argentina bibliotecas com obras importantes em casas de classe média. Para se ter uma ideia, entre os anos 1920 e 1970, metade dos livros em espanhol no mundo era vendida só na cidade de Buenos Aires.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Feira do Livro de Temática Peronista

De hoje até sábado (8), Buenos Aires vai ser palco de inúmeros lançamentos literários e discussões sobre um tema intrinsecamente ligado à argentinidade: o peronismo. A quarta edição da Feira do Livro de Temática Peronista, no Museu Evita, vai reunir editoras, intelectuais e políticos.

São 25 stands com produções sobre peronismo – nem todas são a favor, há autores críticos também – e pelo menos cinco lançamentos diários nos três dias de Feira.   

As mesas temáticas de discussão reúnem para debater, um político, um estudioso do assunto e um militante peronista. A primeira, logo mais a noite, se dedica ao movimento operário. O ministro do Trabalho da Argentina, Carlos Tomada é um dos participantes.

Amanhã, a discussão é sobre as Ilhas Malvinas e, no sábado, sobre mulheres e gestão política (essa me parece a mais interessante). 

No ano passado, mais de três mil pessoas passaram pela Feira. A expectativa para esta edição, segundo os organizadores, é atrair um público ainda maior. Para quem vem a Buenos Aires neste feriado, está aí uma boa oportunidade de conhecer um pouco desta corrente política singular na América do Sul.