Por Marina Mota | Para o Valor, de Buenos Aires
Logo na entrada da livraria El Ateneo - a mais famosa e
visitada de Buenos Aires - uma das estantes de produtos à venda revela duas
paixões dos argentinos: os livros e a política. O resultado dessa combinação é
visível também nos números do mercado editorial: cerca de 25% das publicações
argentinas estão relacionadas à política, segundo Jorge Testero, presidente da
Comissão do Livro Social e Político da Câmara Argentina do Livro.
Em 2010 foram publicados 26,3 mil títulos, sendo 22,7 mil
novas obras, de acordo com dados da entidade. As vendas chegaram a quase 76
milhões de exemplares e os livros classificados como políticos e sociais
representaram mais de 20% do montante. No Brasil, mercado quatro vezes e meio
maior que o argentino, foram publicados 54,7 mil títulos em 2010, mas os
lançamentos na categoria de títulos políticos e sociais não chegaram a 19 mil,
de acordo com uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da
Universidade de São Paulo.
Os números argentinos de 2011 ainda não estão disponíveis,
mas Testero adianta que houve crescimento. Curiosamente, os livros políticos
não são baratos, custam em média entre US$ 25 e US$ 30. "Do ponto de vista
comercial, é uma das áreas editoriais mais dinâmicas, com muitos lançamentos,
promoções e uso desses títulos pelas livrarias para atrair clientes", diz.
"No próximo ano, certamente vão ser lançados numerosos
livros por causa das eleições parlamentares, repetindo o que aconteceu em 2011,
também de eleições", afirma Daniel Molina, crítico literário e coordenador
da área de letras do Centro Cultural Ricardo Rojas da Universidade de Buenos
Aires. Como no geral são livros feitos de forma muito rápida, Molina questiona
a qualidade. "Há investigações sérias, mas também obras ruins, com muitos
erros."
Historicamente, o debate político tem sido muito popular no
país. "A decisão de compra é uma forma de marcar posição. Os partidos
estão enfraquecidos, então a classe média encontra nos livros um substituto
psicológico", diz Molina. O fenômeno, para ele, tem a ver também com uma
forte tradição de leitura. "Isso só faz sentido porque as pessoas leem
muito. Desde a independência o debate se dá dessa forma", acrescenta
Molina.
O próprio nascimento da literatura argentina está
relacionado com o tema. Em 1838, foi escrito o conto "El Matadero",
de Esteban Echeverría, que denunciava a ditadura de Juan Manuel de Rosas. Sete
anos depois, Domingos Sarmiento, futuramente presidente da República, publicou
o romance "Facundo", em que resgata a história de Facundo Quiroga, um
caudilho da província de La Rioja.
Outro marco é a obra "Operación Masacre", de
Rodolfo Walsh. Lançado em 1957, o livro narra o fuzilamento de civis pelo
governo do general Aramburu, dando os primeiros passos num estilo que acabaria
conhecido alguns anos depois como jornalismo literário, quando Truman Capote
publicou "A Sangue Frio" nos Estados Unidos. Depois de uma
entressafra de duas décadas a partir dos anos 1970 - período marcado por umas das
ditaduras mais violentas da América Latina -, a tendência voltou forte no
início dos anos 1990.
A nova onda foi inaugurada pelos livros "Robo para la
Corona", de Horacio Verbitsky, e "Por Qué Cayó Alfonsín, el Nuevo
Terrorismo Económico", de Luis Majul, dois recordistas de vendas. Ambos os
autores são jornalistas muito conhecidos no país. No ano passado, Majul lançou
outro fenômeno editorial, "Él y Ella" - primeiro no ranking de não
ficção de 2011 -, com denúncias de corrupção envolvendo Néstor e Cristina
Kirchner, no momento em que a presidente disputava a reeleição.
Quando ainda era uma jornalista em início de carreira, Laura
Di Marco se surpreendeu ao ouvir do veterano Majul que comprou um apartamento
com as vendas do primeiro livro. Hoje, ela é a autora do livro político de
maior êxito em 2012. "La Campora" vendeu 60 mil exemplares em seis
meses. A primeira edição de sete mil exemplares se esgotou em dois dias.
A obra conta a história de uma corrente de apoio ao governo
gestada por Néstor Kirchner. "La Campora", cujo nome faz menção ao
presidente argentino que ocupou o cargo em 1973 para em seguida repassá-lo a
Juan Domingo Perón, é formada por jovens que atualmente ocupam cerca de 2 mil
postos na máquina estatal. "Esse é um livro com a foto em movimento, escrevi
à medida que os atos iam acontecendo, tive que fazer muito rápido", conta.
A pesquisa e redação do livro durou um ano.
"Comecei a escrever com uma visão curiosa, depois fui
me tornando mais crítica", afirma Laura. A jornalista se deparou com um
desafio permanente da atividade na Argentina: é extremamente difícil checar uma
informação. Assim como a maior parte dos integrantes do governo, os membros da
tendência também não falam com jornalistas que não sejam kirchneristas. Laura
adianta que já começou a desenvolver um novo projeto sobre aspectos
desconhecidos da história de Cristina.
Embora os livros críticos tenham público maior, há espaço
farto para o governismo. A biografia autorizada de Cristina Kirchner, "La
Presidenta", de Sandra Russo, também liderou as listas de mais vendidos no
ano passado. Neste ano, um dos destaques kirchneristas é obra de encomenda,
"Eva y Cristina", de Araceli Bellotta, comparando a vida da atual
mandatária com a de Evita Perón.
Araceli conta que o livro demorou nove meses para ficar
pronto. A pesquisa sobre Evita ela já tinha de outros livros que escreveu e o
trabalho foi centrado principalmente na parte sobre Cristina, também com várias
citações de outras publicações. "Eu sou peronista e feminista", faz
questão de deixar claro. "Acho importante se identificar, porque muitos
dizem que são independentes e não são."
Uma frase do político argentino Antonio Cafiero muito famosa
entre os "hermanos" afirma "que o peronismo dá para tudo".
Não podia ser diferente na produção literária. Tanto que desta quinta ao sábado
o Museu Evita em Buenos Aires está sediando a quarta edição da Feira do Livro
de Temática Peronista, com debates, lançamentos e presença de 37 editoras,
tanto de grandes grupos como de universidades e algumas especializadas em
peronismo. As doações das editoras que participam da feira à Biblioteca do
Museu dão uma medida da quantidade de publicações. Só no ano passado, foram
cerca de 300 títulos. Segundo Laura Macek, uma das organizadoras, nem todos os
autores são peronistas. "Há intelectuais contrários também. Demorou muito
para que eles quisessem participar, mas entenderam que é um espaço de
discussão", comenta.
Na última Feira do Livro de Buenos Aires, em abril, a
política ocupou lugar de destaque, com presença de autoridades no debates,
jornalistas e diversos lançamentos. Na capital, há um Museu da Língua e do
Livro com uma seção dedicada às obras políticas. É comum encontrar na Argentina
bibliotecas com obras importantes em casas de classe média. Para se ter uma ideia,
entre os anos 1920 e 1970, metade dos livros em espanhol no mundo era vendida
só na cidade de Buenos Aires.