Há muitos anos, eu morava nos Estados Unidos e fiz um
trabalho sobre a crise argentina de 2001. Fiquei dias assistindo fitas e
selecionando imagens para uma matéria. Aquelas cenas dos panelaços nunca saíram
da minha cabeça. Ficaram como a maior marca do corrallito argentino.
A vida deu muitas voltas e eu acabei vindo morar em Buenos
Aires. Cheguei num momento de certa calmaria. O país, dez anos depois da crise,
tinha taxas históricas de crescimento. Inflação alta, com índices manipulados
pelo governo, mas com consumo também em alta. Ou seja, se a renda acompanha a
inflação, não incomoda tanto. E a prova de que tudo ia bem foi a votação também
histórica da presidente Cristina Kirchner, com mais de 54% dos votos.
Na época da campanha, os analistas falavam muito que
Cristina representava um certo “frescor” em relação ao marido e antecessor
Nestor Kirchner, criticado por medidas autoritárias. E apostavam num segundo
mandato mais alinhado com o mercado financeiro. O que aconteceu foi exatamente o
contrário. O segundo governo de Cristina aposta no nacionalismo e está cada vez
mais fechado.
A economia começa a não ir tão bem. Claro, que os fatores
externos não ajudam. Mas medidas de restrição às importações e à compra de
dólares começam a incomodar os argentinos. Diga-se, os argentinos de classe
média.
Eu, que nem sou argentina, estou ampliando meus
conhecimentos de macroeconomia. Não só porque escrevo sobre o assunto de vez em
quando, mas porque inflação e câmbio nos afetam diretamente. Aprendi a me
preocupar diariamente com a variação do dólar no Brasil e na Argentina. E também
estou me aprimorando em economia doméstica para lidar com os aumentos dos
preços e com a falta de alguns produtos no supermercado.
Ontem, presenciei meu primeiro panelaço ou cacerolazo
argentino. Voltava do shopping com o Tomás e as pessoas nas ruas batiam
panelas, palmas, buzinavam. Fiquei uns
dois minutos em dúvida sobre o que seria. Se comemoravam a vitória de algum
time ou se o semáfaro estava com defeito. Mas logo tive certeza de que
tratava-se de um protesto. Perguntei ao porteiro do meu prédio e ele respondeu:
“es la revolucion”.
O panelaço foi
organizado pelas redes sociais e aconteceu na área mais nobre de Buenos Aires,
em Palermo, Recoleta e Belgrano – exatamente os únicos bairros da capital onde
Cristina perdeu nas eleições. Difícil, portanto, afirmar que há um clima de
insatisfação geral. Os manifestantes reclamavam da insegurança, problemas
econômicos e restrição à compra de dólares. Este último parece ser o principal
motivo.
Aqui, é comum economizar em dólares, guardando o dinheiro em
casa mesmo, comprar e alugar imóveis em dólar. O governo ao restringir a compra
fez a moeda estrangeira disparar no mercado negro ou “blue”, como chamam aqui. Já
ouvi mais de uma vez na rua, “estamos virando a Venezuela”.
Se é verdade ou não, só o tempo dirá. E, provavelmente,
outros panelaços virão. O certo é que eu não vou esquecer meu primeiro
cacerolazo argentino.
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